Devido ao seu perfil descentralizado e à dificuldade de controlo, o mercado das criptomoedas revelou-se um terreno fértil para as práticas ilegais de manipulação de preços que são bem conhecidas no mercado tradicional. Descreverei e detalharei três delas: pump and dump, abuso de informação privilegiada e roubo de identidade.
Pump and dump
Pump and dump é a prática de aumentar artificialmente um ativo e depois passá-lo para outros investidores.
Como funciona o pump and dump?
Um grupo de investidores compra uma grande posição num ativo, normalmente com uma liquidez muito baixa, e depois, de forma organizada, recorrendo muitas vezes a técnicas de marketing, começa a espalhar notícias falsas, positivas e exageradas sobre esse ativo.
Normalmente em fóruns de investimento ou similares, sob anonimato, mensagens como “estas acções vão explodir” ou “compra antes que subam” despertam a curiosidade de novos investidores para o ativo, provocando uma onda inicial de valorização devido à baixa liquidez.
Afinal, qualquer investidor iniciante fica entusiasmado quando vê as acções ou as criptomoedas subirem de forma acentuada e rápida. Nesta fase, muitas vezes acontece que o próprio grupo que divulga a notícia compra novamente uma grande posição, desta vez mais ruidosamente, voltando aos fóruns com o famoso “eu avisei; eu tinha razão; eu sabia”, terminando com “isto é só o começo”, atraindo uma segunda onda de investidores e de valorização.
Este movimento vai depois, a meio do caminho, repor os compradores iniciais que vendem as suas acções com lucro e desaparecem de cena. A dada altura, o mercado apercebe-se de que os preços não estão de acordo com os fundamentos e entra em colapso.
O mais famoso pump and dump da bolsa brasileira
Foi o das ações globais em 2011 e ficou conhecido como a bolha da pinça. As ações valorizaram 1600% em poucos meses, o valor de mercado da empresa subiu de R$70 milhões para R$1,5 bilhão, e quando ficou claro que essa alta não tinha fundamento, elas caíram mais de 85% em uma semana.
No mercado de criptoativos, essa estratégia é muito utilizada, pois com a baixíssima liquidez de novos tokens surgindo a todo momento, e as pessoas enlouquecidas tentando encontrar o próximo Bitcoin, nem é preciso tanto dinheiro assim para iniciar um movimento de pump and dump.
Sabe aquela nova criptomoeda desconhecida cujo preço triplicou em apenas alguns dias? Cuidado, pode ser um pump and dump.
Negociação com informação privilegiada
Nem a análise gráfica nem a análise fundamental, a melhor maneira de ganhar dinheiro facilmente e sem risco é o insider trading. É pena que seja proibido. O abuso de informação privilegiada consiste em utilizar informação privilegiada e relevante de que se tem conhecimento e que ainda não foi tornada pública, com o objetivo de obter algum tipo de vantagem financeira.
Casos de insider trading
No Brasil, um caso famoso de insider trading ocorreu em 2006, quando o então diretor financeiro da Sadia, antecipando a alta, comprou ações da empresa listadas no mercado americano antes da notícia da fusão ser conhecida, lucrando com a venda após a divulgação da notícia.
Outro caso famoso e mais recente é o de Joesley Batista, da JBS, em maio de 2017, quando pouco antes de vir a público o conteúdo de seu acordo de delação envolvendo o então presidente da República, fez operações de US$ 1 milhão, já prevendo que a notícia abalaria o mercado. A operação ficou conhecida como “Joesley Day”.
No mercado de ações, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é responsável por fiscalizar eventos desse tipo. Como o mercado de ações é um órgão centralizado, é possível adotar mecanismos de alerta que indiquem a ocorrência de um evento ilegal. No entanto, como o mercado de criptoativos é descentralizado e tem um perfil transfronteiriço, essa fiscalização torna-se muito mais difícil.
Roubo de identidade
Spoofing é a prática de colocar ordens de compra ou venda sem a intenção de as executar efetivamente, apenas para manipular o preço. Esta prática tem aumentado com a disseminação de algoritmos e robots de negociação de alta frequência, que podem acionar milhares de ordens por segundo.
Como é que a usurpação de identidade funciona?
Para ilustrar, imaginemos que a ação XPTO04 está a ser negociada a 10 dólares e que um investidor quer comprá-la por menos. Ele coloca uma ordem de compra a $9,50 e depois tenta manipular o mercado para que o papel se desvalorize. E como é que ele faz isso?
Ele envia uma ordem expressa de venda a R$9 através de um robô de alta freqüência. A ordem é cancelada em poucos nanossegundos, sem tempo de execução, mas tempo suficiente para que o aumento do volume de vendas seja registrado e percebido pelos outros investidores, que, percebendo uma falsa tendência de queda, acabam aceitando a primeira ordem, de R$9,50.
A principal caraterística do spoofing é o tamanho desproporcional da ordem de compra ou venda. Que investidor de criptomoedas já não teve uma experiência como essa? Ordens gigantescas que desaparecem do nada do bid booking.